segunda-feira, junho 26, 2006

Estrada molhada

Procuro uma estrada no escuro. Ligo os máximos. Vou, rente ao comboio; seguimos a mesma direcção mas ele é mais rápido. Subo a ponte e vou dar uma volta. Para esse mesmo lugar, mas mais abaixo, sempre mais abaixo. Continuo. Algumas setas indicam-me a direcção que tenho que ver, esticada, para o sítio mais escuro. O caminho é cada vez mais estreito. Eu sinto-me cada vez mais perdida...Sigo em frente, ainda, só mais um pouco. À minha esquerda um portão antigo. À direita um outro caminho. Respiro fundo, por momentos paro de correr. Já basta. Estendo a mão para fora e penso que vai chover. Eu vou chover. Não. Ainda não . Não é assim tão fácil. Era bom que fosse. Ligo o carro. Faço o caminho de volta, nessa estrada mal usada. Percebo que não é preciso ser o mais rápido se se sabe o caminho mais curto. O que é que isto significa? O que é que isto significa...Não sei. Apenas não sigo por estradas acabadas de alcatroar. Onde já há buracos dos camiões. E chove. E o meu céu de brincar estremece. Não encontro o que queria. Uma estrada perdida onde caminhar. E talvez a culpa seja da chuva. Da chuva que não vem.
Espiral
Dualitate

quarta-feira, junho 14, 2006

Lenta maresia

Anjos a caírem em câmara lenta, enquanto respiram os seus cristais. Falam-me uma linguagem de violência. Uma linguagem de temor. Na sua queda eu saboreio o toque das suas asas, que quase me arrepia...
Fico embriagado com toda a maresia que me espelha o fogo que sai do desejo.
Cravas-me as unhas na alma. Derrotas passados. Engoles medos.
Pergunto-me se será aquela maresia de quem é um Deus no leito e um Diabo na razão.
Vem! Lentamente, consegues invadir-me a beleza efémera. A beleza dos meus telhados de vidro. Por onde se espreita o vazio da lucidez. Por onde se vislumbra a doçura da inocência.
Tarde, a maresia desaparecerá. Mas eu sei que a volto a ter... basta esperar...
Lentamente, será manhã. E ao nascer do dia, fecho os olhos, a boca humedece e o sal é o prometido…
Nada mais se torna efémero, quando na minha sombra penso em todos os pedaços de sonhos brancos que tiveste.
Sonhos de branco.Com a lentidão exacta de uma gota com sabor a maresia que vicia e que acalma...
(Acalma?)
Cavalo Branco
Dualitate

quinta-feira, junho 08, 2006

Didascálias

- ...Vais ter saudades minhas?
- Quê?
- Perguntei se vais ter saudades minhas.
- Porquê?
- Não interessa....responde á pergunta!
- ........
- ........
- ........
- Responde....
- Ah...?
- Vais ter saudades minhas ou não?
- Vais para onde?
- Não tens nada a ver com isso!
- Mas vais para onde?
- Isso não tem nada a ver com o que perguntei!
- .......
- Vais ter saudades minhas?
- .....
- Presta atenção! Vais ter ou não?
- Porque é que te vais embora?
- Porque é que queres saber?
- Não gostas deste lugar?
- Porque é que queres saber?
- Vais para onde?
- Pára! Eu só quero saber se vais ter saudades minhas!
- Isso é uma pergunta?
- ......
- .......
- É...mas isso não foi uma resposta.
- ......
- ....Vais ter saudades minhas?
- ....
- Vais ter saudades minhas?
- .....
- Vais ter saudades minhas?
- ....
- .....
- .....
- ....
- Não sei.
- ?....
- ......
- .....
- E não quero descobrir.


Espiral

Dualitate

segunda-feira, junho 05, 2006

Guitarras

Procuro no meio das cassetes antigas. Espalho-as e algumas partem-se. Porque não encontro em cds. Uma música que se ria. Uma música que chore. Uma melodia...uma simples melodia. Ouço músicas tristes, ouço músicas...música, canções, baladas...posso arranjar todos os sinónimos que nada se enquadra. Retiro colcheias, e junto pausas que farão parte dos meus silêncios, daqueles onde tu não estás. Junto semicolcheias para rapidamente encontrar uma solução, mas ela não vem. Apenas a verdade, que escorreu devagarinho para o meu coração sem passar pelo racional que se esconde pelo cérebro. Uma flor que murchou sem tempo para desabrochar. Um vestido de baile na prateleira da costureira que se esqueceram de ir buscar. Coloco um bemol no fá mas nem assim deixo de repensar no que ficou do que não foi. Talvez se usar um sustenido que coloque a direita de cada nota mude qualquer coisa. Mas não muda nada. Pego no cd que gravei só para mim e ouço todas as músicas. Grito. Nego. Não é isto! São todas eu mas nenhuma se tornou um nós. Como é que enterro uma recordação se não tenho uma banda sonora apropriada? Falta-me os violinos para o luto. Falta-me a bateria rebelde acompanhada por um baixo paciente. Falta-me o murmúrio de um piano que quero calar deitando-me nele. Para de seguida tocar nele uma melodia simples. Ouço canções do meu passado. Lembro-me das vozes, dos gestos, até dos cheiros de quem perdi. Porquê? Porquê não encontro a música que me faça esquecer de ti? Agora preciso de te colocar numa gaveta arrumada. Ouço o rock mais duro seguido do instrumental mais puro....ouço pop eléctrico e português numa voz arrastada. Ouço vozes profundas e negras, ouço vozes timbradas....e não é isto. E eu não mando nada. Quero sair. Sufoco neste trailer sem música. Desejo ouvir uma música que me faça suspirar por ti. E sempre foi esse o problema. Esse que não entendi no momento . Nem no não-momento. Nem no nada do que não existiu. Saliento. Ponho a correr um carrossel de músicas. Desespero. Alguma vai ser. Para eu te enterrar. Para chorar por ti de mansinho às vezes. Para se a ouvir na rádio, ou no cabeleireiro quando entro, eu sei, sorrir com amargura. Mesmo sabendo que o meu coração rebenta por não aguentar tal tristeza. Preciso de um som...para me lembrar de me lembrar de ti quando te esquecer...

Inspiração melódica: depois de muitas incertezas...talvez... “kaoru’s theme” (guitar)…talvez…

Espiral

Dualitate

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