segunda-feira, maio 01, 2006

Teatro

Manda-me improvisar. Mil olhos esperam, sem dar muita atenção. Eu tremo. Não consigo deixar-me ir e esquecer o mundo. Alguns papeis impacientes remexem-se. Respiro fundo, a minha voz saí, nasalada. Engulo em seco. Não começo bem. Hesito. Recomeço. Falo de teclas por onde saltito. E de teres passado ao lado dos meus sonhos. Aponto o dedo para alguém, que acuso de estar distraído. Não para ti. Sirvo, em bandeja de prata, a minha busca e o meu fôlego. Rodo em mim mesma, os meus cabelos desvanecem-se enquanto a minha saia flutua. Ensaio posições de rainha indignada, de bailarina elevada, de mãe desmaiada. Floresço e volto a ser apenas isso. Um gesto lento. Sou de novo mulher. Absorvo as palavras e cega, discorro sobre o amor que une a paixão. Tu fitas-me sem atenção. E eu, no meio das luzes baças esqueço-me de quem és. O meu sol. E sento-me numa cadeira, implorando por um discurso. Sigo toda a plateia com os braços. Abarco todo o cerco hipnotizado pelas mentiras que escondem verdades. Um sussurro final imita uma lágrima que ficou, pendente, por cair. Acabo. Silêncio. Voltei aqui. Baralho os pés e dou passos desajeitados. Estou vermelha. Sinto-o. Um segundo que dura uma vida acaba e simplesmente dizem-me “Fica”. Não te olho. Mas sei que só quero ouvir-te dizer o mesmo.
Espiral
Dualitate

4 Comments:

Blogger AR said...

É tudo teatro?Adoro a sensação...aquela!Aquela, de ter as imagens mentais a fluirem na cabeça, a cada vez que os meus olhos absorvem as tuas linhas.Sento-me aqui.Leio.Sonho.Abraço a plateia.No fim?Palmas...a cortina a fechar.A seu tempo vai abrir outra vez!
"Não te olho. Mas sei que só quero ouvir-te dizer o mesmo."...brutal.
beijo

segunda-feira, maio 01, 2006 9:27:00 da tarde  
Blogger catavento said...

ADOREI! TUDO!
as palavras, as frases, os compassos, a música, os silêncios, as cores, as imagens, os sentidos, os sentires, as emoções, as vidas, as peças, os filmes, as paixões, os desmaios, as mortes, as contradições...
o plateia aplauderá de pé e será um espectáculo inesquecível, que deixará o pedido de mais improvisos.

beijo*

terça-feira, maio 02, 2006 11:13:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

muito bom. quase que imagino a tua cara com um ligeiro rubor no momento de abrir os olhos ao fitar a audiência.. tinha corrido bem. parabens.
fico contente pelo sucesso amiga =) *um beijo

quarta-feira, maio 03, 2006 12:16:00 da manhã  
Blogger Rui said...

Quando o improviso é genuíno as coisas saiem sempre bem. Como este texto. Os passos desajeitados e movimentos nervosos são os gritos não-ensaiados da harmonia inquieta de quem sente, realmente. Mesmo que não ouças imediatamente a voz que esperas, vale a pena que fiques pela ovação final ;) Beijo.

quarta-feira, maio 03, 2006 5:34:00 da manhã  

Enviar um comentário

<< Home

Powered by Blogger