quinta-feira, abril 20, 2006

Flauta arranhada

Matem toda a gente que escreve os sentimentos que me pertencem. Retirem das prateleiras todos os livros que contam a minha vida sem autorização. Cessem os sons que me enclausuram, repetindo repentinamente quem sou eu.
Quantas penas foram gastas na vã tentativa de escrever um argumento original. Quantas partituras amarrotadas e remetidas para um canto enquanto um compositor desfalece sob um piano surdo?
Quantos quadros esborratados de tintas ilusórias, quantos filmes de terceira categoria projectados para deslumbramento dos espectadores?
Pereçam todos os infelizes, insatisfeitos consigo mesmos , que tentam igualar o que sentem levando-o ao cúmulo de o chamar arte.
Rasguemos todas as historias baças que tentam retratar o mundo. Elas não mostram, elas não sabem, elas nada sentem sobre o bater de um coração que se escapa involuntariamente quando uma pele se arrepia por culpa do toque do humano. Revejam as notas rabiscadas e atirem-nas para as calmas águas do espelho. Olhem as que se afogam, contemplem as que se salvam. Ouçam o som do grito. Talvez assim tenham a sorte de tocar uma partícula do verbo amar.

Espiral

Dualitate

6 Comments:

Blogger AR said...

Ao contrário daquilo que me fizeste pensar, está muito bom!A primeira e a última frase estão divinais.Para além disso, tem pouco enredo, pouco pormenor, o que o torna directo, cruel e violento.Gostei mesmo.Se ler com alguma rapidez, as frases encaixam de uma maneira que gosto particularmente.Como tu disseste está "politicamente incorrecto".Admirei isso.Muito.
beijo

quinta-feira, abril 20, 2006 2:05:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Sem duvida que este texto esta no top5. Gostei, gostei muito.Tem todos os 'ingredientes' que , para mim, fazem um bom texto. Parabéns

quinta-feira, abril 20, 2006 1:30:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Pela primeira vez vou iniciar-me neste mundo dos comentários. Geralmente prefiro adoptar um estilo mais voyeur, ms acho que já é altura de teres um feedback acerca das palavras que nos ofereces neste espaço. Cada pessoa é única em variadíssimos aspectos e geralmente todas as pessoas que escrevem diferem nos estilos que impõe às suas criações. Daí, cada escritor ou pretenso escritor tem um estilo muito próprio e muitas vezes apresenta um padrão de escrita. Tu, como é óbvio tens um estilo também muito único. Os teus textos em geral e este em particular podem ser comparados a uma sinfonia de palavras. As palavras que neste caso encarnam as notas musicais, fluem a um sabor ritmico e harmonioso e por mais ásperas ou duras que estas sejam, soam e sabem sempre a música. Neste caso, eu diria que o teu "Flauta Arranhada" é semelhante ao Confutatis do Requiem de Mozart. Duro, implacável tempestuoso e deliciosamente belo. Continua a oferecer-nos a tua música, que é muito bonita... Beijocas:)

quinta-feira, abril 20, 2006 11:13:00 da tarde  
Blogger catavento said...

imagino as partituras amrrotadas e as notas a saírem a custo de uma flauta. poderia ser angustiante, mas é apenas uma melodia que nos arrebata pela simplicidade e verdade que encerra.

b*

sexta-feira, abril 21, 2006 10:08:00 da tarde  
Blogger Rui said...

Decibéis surdos, ilusões auto-enfeitadas. Crueldade sorridente. Morte nas praias do descontentamento? Talvez. A realidade é estranha.
Texto lindo. Beijo

sexta-feira, abril 21, 2006 10:10:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Muito bom. Gostei.

quinta-feira, abril 27, 2006 6:17:00 da tarde  

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