quinta-feira, setembro 01, 2005

Cor dos olhos

Nuvem de nevoeiro.Há uma agonia na sua pessoa, uma ansiedade inexplicável.Sente que algo poderá estar para acontecer.Depois de mais um dia, onde reinou a rotina e a vida passou para segundo plano, chega exausto, à sua casa vazia.O olhar das paredes frias destrói a sua alma, até o seu ego.O som do eco do silêncio provoca-lhe picadas dolorosas nos ouvidos.Senta-se no sofá que gostava que estivesse quente, sinal de presença humana.Fuma.Volta a fumar!Mal consegue distinguir o vazio por entre as nuvens do fumo.Sente-se tonto.Sente a Cor-de-Sobrevivência a fugir do seu rosto.Desmaia!

Acorda com o barulho dos corredores, e sente a cabeça num carrossel.Estava no serviço de urgências.Há já muito tempo que havia sido avisado por todos.Todos fizeram avisos, lançaram conselhos, deram opiniões.Não ligara!Com a visão meio difusa e incerta, dava por si a lembrar-se de alguns conselhos, que acabaram no esquecimento e que não evitaram a sua presença naquele tempo...naquele espaço.Conseguia perceber que estava num Hospital.O cheiro e as batas brancas que circulavam com movimentos automáticos não enganavam.Mas não era um hospital qualquer!Era o hospital dos sentimentos!Assustou-se com a ideia!Alguém se lembraria de tal coisa?

Um hospital onde não se tratam problemas físicos, mas problemas da alma e do ser!Assustou-se ainda mais, com a voz da médica, que gritava para os seus auxiliares.Sentiu um estalo na sua cabeça, um sobressalto e acordou totamente.A sua presença, conseguia dar lhe algum conforto, apesar de tudo.A sua aparêcia era agradável.De estatura baixa, cabelo arranjado, pele morena, brilhante e olhos...incolores.Reconhecia nela um rosto familiar.
A primeira pergunta que lhe fizera, foi "há quanto tempo sentiu a cor fugir de si?".O nosso paciente não entendera."Sim, a cor!As cores traduzem sentimentos!Preciso saber há quanto tempo não a tem, ou aquelas que tem!". Não tinha resposta para tal.Sempre se sentiu um caso clínico perdido, no que toca a cores.E nunca pensara que se pudessem traduzir sentimentos através de cores.Ou seria o contrário?"Mas tem de se lembrar!Alguma vez há de ter amado!".Verdade.Há muito tempo atrás.Depois disso, ficou sem cor-de-amor.O vermelho escapou-se dos pigmentos da pele.A vida levara-o a tornar-se Cor-de-Ódio, ou Cor-de-Desprezo, liderados por cinzento e roxo escuro.Tal facto, foi suspeitado pela médica.Amavelmente lhe agarrou a mão.Sentiu quente.Um quente distante.Inesperadamente, um quente-frio, de quem não sentia o que ele sentia.
Começara-se a lembrar, na coicidência da vida.Lembra-se da médica!Não pode ser!Agora sim, faz sentido!Tinha sido ela quem ele amara.Tinha sido ela que transformara mais tarde a sua vida em Cor-de-Tristeza!Desde logo, o paciente fora identificado pela médica.Também ela sabia quem ele era, sem nunca querer acreditar em tal, não conseguia disfarçar a sua Cor-de-Espanto!
Durante a estadia hospitalar, rápida e freneticamente energética,foram administrados os procedimentos básicos.Algum calor humano, gotas de esperança e de luz, desintoxicação da dor, miligramas de felicidade artifical, antídoto do sofrimento,corantes vitais e...soro fisiológico. No entanto, já sem conseguir falar, e movido por cor-de-raiva, o paciente revoltava-se por estar a ser tratado por aquela estranha!Ela estava ali a tentar salvá-lo.Mas já não era a mesma pessoa!Dava-lhe ainda mais vontade de ser um doente sem cura.

Tinha-lhe dado tudo!Cor-de-Alegria, Cor-de-Vida, Cor-de-Felicidade, e até...Cor-de-Rosa!Mas a médica tinha sido a causa da sua doença!Tudo o que lhe dera fora Cor-de-Saudade, Cor-de-Mágoa, Cor-de-Choro. As lembranças corriam à medida em que um pulso era cada vez mais fraco, e onde os sinais vitais se iam esvaindo naquela cama. A médica gritava nomes estranhos, cores difusas, emoções inatingíveis. Havia grande agitação em torno do nosso paciente.A Cor-de-Pânico dominava a mulher!De certa forma, estava a sentir-se culpada por deixar incolor... o homem, tal como a visão dele à luz dos seus olhos.O tempo era cada vez mais escasso! Máquinas freneticamente a funcionar!A fazerem barulho! Apitos constantes! Embalagens medicinais a passar!Líquidos vivos a correrem! No centro disto tudo...a calma e a Cor-de-Paz a dominarem e a reinarem no interior de um homem despido do verbo Sentir.

O inevitável aconteceu! A morte sentimental do homem era confirmada.A médica traduzia na sua cara, Cor-de-Culpa, ao mesmo tempo que escaparam lágrimas do seu rosto.
Minutos mais tarde, saía pelo seu próprio pé, com Cor-de-Arrependimento a dominar a consciência.Pela outra porta, saía o paciente!Não se encontraram!
O paciente sempre foi alguém difícil.Alguém que durante a sua dor, conseguira apenas ter alguns sentimentos, e algumas pessoas que o faziam mudar de cor como um qualquer camaleão, de forma rápida. Fugaz. Insuficiente.Mas por pouco tempo, teve o domínio da essência da cor.Daquilo que todos nós queremos. Enquanto isso, a médica passeava altiva e angelical na sua Cor-de-Vida, depois de uma Cor-de-Indiferença, perante o doente.

O passado rondava.Mas no passado, nem o paciente era paciente, nem a médica era médica!Eram apenas duas pessoas, que pensavam ser especiais uma para a outra.Tudo isso acabara!
A médica prossegue a sua vida.As cores já não são tão vivas.Não tão perceptíveis.No entanto, existem.Poderia ter evitado?
O doente despiu-se da alma colorida, tornando-a despida de sentimentos, sendo os seus restos englobados num conjunto físico, que serve para....(sobre)viver!

É difícil sentir?Não!É difícil sentir com...cor!Um sentimento dominado pelo espectro de luz!Cor viva!Irrequieta!Irradiante de emoções!Que viaja à velocidade estonteante de uma qualquer Chita em busca da sua presa!Que enche o coração e que o ajuda a bater para desempenhar a sua função!
Dominados pelo preto e branco somos o nada!Estranhos!Dominados pelo vazio da dor!Não podemos ser a prento e branco!Temos de ser um arco-íris que contrasta entre a chuva de um lado, e os raios solares do outro!Um arco-íris de cor!
É isso que dá um sentido especial ao sentimento e à vida!É a cor...!Invísivel por vezes, mas...viva!

Eu sou branco.

Cavalo Branco

Dualitate

11 Comments:

Blogger Espiral said...

Puro ^^. As historias verdadeiramente belas são as enganadoramente simples.
Gostei muito =)
Um beijo amarelo ^^

Espiral

quinta-feira, setembro 01, 2005 7:35:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Porque se calhar não passamos de uma caixinha de lápis de cor da caran d’ache, daquelas que tínhamos quando éramos pequenos e com os quais desenhávamos (?) ou tentávamos ...rabiscávamos qualquer coisa e sentíamo-nos bem... mesmo quando não saia bem... não apagávamos o desenho … não podíamos já estava... “a vida é como desenhar sem borracha”... quem não se lembra do primeiro lápis que lhe roubaram... sem avisar...sem uma preparação... completamente apanhados de surpresa...sem tempo para escolher a melhor roupa ...alguém que disse ‘posso usar o teu lápis... essa cor?’ e nós partilhamos a cor mais bonita... e um dia, sem esperarmos, levam nos o mais importante que tínhamos... o lápis... e a caixa fica incompleta ... e nós deixamos de ter lápis para partilhar...passamos a ter medo... deixamos de usar os lápis ... deixamos de desenhar deixamos de ter cores... e já não é possível pintar ... ate que somos assustadoramente surpreendidos... um aluno novo que também não usa a sua caixa de lápis de cor ... que também não pinta... que julga não ser capaz de pintar nunca mais...porque também ele um dia partilhou os lápis especiais com alguem ... que os roubou...ou que os destruiu... mas possivelmente a caixa de lapis do novo aluno nem é da caran d'ache... mas ele faz nos bem ... faz nos ficar cor de laranja ...

sexta-feira, setembro 02, 2005 3:32:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Um dia...quando menos esperares voltas a estar contagiado por todas as cores do arco iris...
Mais uma vez o texto está puro...
Parabéns...beijinho cor de magia =)

sexta-feira, setembro 02, 2005 6:58:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Porque há sempre alguém com o curso de Suporte Básico de Vida... que socorre e inicia a reanimação do paciente e... cor-de-riso, cor-de-distracção, e consequentemente cor-de-tranquilidade e cor-de-bem estar... voltam a fazer parte... voltam a estar vivas ... e faz-lhe bem... porquê? Única e exclusivamente porque sim... e os médicos negligentes que juram ter feito tudo o que estava ao seu alcance ... mas não deu... já não dava (já não dava? como? Porquê? E toda a historia clínica não importa?), a esses nada vai acontecer ... nem pode “cada um de nós é responsável por aquilo que sente e não podemos culpar os outros por isso” ...agora já não importa... cor-de-injustiça? Sim, ainda existe...

domingo, setembro 04, 2005 12:31:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

obrigado pelos comentarios.suponho que sejam os dois da mesma pessoa.Gostava de te conhecer.

domingo, setembro 04, 2005 3:27:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

"talvez noutra vida quando ambos formos gatos"
=)

domingo, setembro 04, 2005 10:14:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

pois bem.eu sou e serei sempre cavalo.experimenta deixar nome.seria agradavel.obrigado na mesma pelos comentarios.

segunda-feira, setembro 05, 2005 1:03:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Nem sempre sou igual no que digo e escrevo.
Mudo, mas não mudo muito.
A cor das flores não é a mesma ao sol
Do que quando uma nuvem passa
Ou quando entra a noite
E as flores são cor da sombra.
Mas quem olha bem vê que são as mesmas flores.
Por isso quando pareço não concordar comigo,
Reparem bem para mim:
Se estava virado para a direita,
Voltei-me agora para a esquerda,
Mas sou sempre eu, assente sobre os mesmos pés —
O mesmo sempre, graças ao céu e à terra
E aos meus olhos e ouvidos atentos
E à minha clara simplicidade de alma ...

Alberto Caeiro

segunda-feira, setembro 05, 2005 2:13:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

profundo. profundamente esmagador.
apesar de tudo isso.. ha a contradiçao da vida, a esperança que as coisas nunca mudem, a necessidade de haver algo por tras de nós.
o medico sente. deram lhe a tarefa ingrata de responder pla morte. Responsavel, Sufocado, Superado nas suas forças, nao deixa de ser alguem.. e sentir. por vezes amados, outros desconhecidos.. escorregam nas maos de quem os tenta agarrar.

segunda-feira, setembro 05, 2005 2:23:00 da manhã  
Blogger Espiral said...

Porque uma frase do "Vanilla Sky"?...porque essa especificamente?....bem ao menos ficamos a saber que és mulher...e o resto..logo se vê...(já agora, gosto do filme)

Beijos da Sherlock Holmes de serviço

Espiral

segunda-feira, setembro 05, 2005 4:31:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

pergunto-me qual será a cor do não sentir, se é que isso é possível enquanto estamos vivos...será que há ausência de cor? e se não tem cor como podemos ver?e se conseguissemos ver com tal clareza as verdadeiras cores dos outros não seríamos nós mais (in)felizes?
(gostei muito)

sábado, setembro 17, 2005 1:08:00 da tarde  

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