Cansaço
Sinto os olhos pesados e prestes a fecharem-se. Os meus dedos, antes ágeis, caiem desajeitados sobre as teclas construindo frases cansadas do que ficou por dizer. A mente vagueia, abandonada a flutuar no mar de escolhos dos meus pensamentos desordenados. As dúvidas são contagiosas e basta uma palavra dita de ânimo leve para sobressaltar um lago enganadoramente calmo. Fico. Parto. Corro para longe, ou paro e estou perto. Amo o mundo e protego-o, ou, negligencio e a indiferença abarca a vida. Eu sou eu. Eu sou todos os outros e todos os outros são eu. Massacro a consciência demasiado tarde. Vivo e estou comigo, recolho o que tem importância, ou apenas o que impede o pensamento, ou tudo junto, e o que faz o meu eu. Amanhã parto, vou para onde o tempo não existe e onde paro de fugir de mim. E até lá o quotidiano preenche-me e captarei os brilhos mais preciosos.
Espiral
Dualitate
Espiral
Dualitate
1 Comments:
"O que há em mim é sobretudo cansaço -
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas -
Essas e o que falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimo, íssimo, íssimo,
Cansaço..."
Fernando Pessoa
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